As quatro bruxas contra o ogro debaixo da ponte

 

Para as irmãs D.

 

Havia uma Bruxa, que vivia em um vilarejo remoto. Um dia, a Bruxa foi embora. Ela tinha quatro filhas: Sofia, Mina, Mônica e Tânia e deixou para elas seus pertences enfeitiçados: um gato preto, uma vassoura, um chapéu pontudo e um caldeirão. Todos eles bastante mágicos.

Sofia ficou com o gato, pois gostavam de deitar no sofá e assistir televisão o dia todo. E ela sabia gargalhar: HAHAHAHA. Como uma boa bruxa.

Mina ficou com o chapéu, pois achava que era elegante e que combinava muito com a sua figura esbelta. E ela usava o chapéu, o tempo todo. Como uma boa bruxa.

Mônica ficou com a vassoura, pois assim poderia varrer a casa mais rapidamente e então, voar para o trabalho. E ela voava. Como uma boa bruxa.

Tânia ficou com o caldeirão, que podia aumentar e diminuir de tamanho para cozinhar todo tipo de coisa. E ela cozinhava. Como uma boa bruxa.

Os moradores da vila ficaram muito felizes, por que a Bruxa – como uma boa bruxa – costumava voar gargalhando na sua vassoura nas noites sem lua, fazendo o leite azeitar, os bebês chorarem, os cachorros latirem e a descarga do banheiro disparar. Ela era uma boa bruxa, afinal de contas. Mas as quatro meninas não conseguiam fazer nada disso e os moradores costumavam dizer: elas são apenas um tiquinho bruxas, não uma bruxa inteira.

Mas como dizem por aí, até mesmo o jabuti coloca a cabeça para fora do casco para espiar o lado de fora: um ogro grande, fedorento e sujo apareceu e decidiu viver debaixo da única ponte da cidade:

– Ouçam vocês, ninguém passará por aqui até que eu coma.

– E o que você deseja comer? Sanduíches? – perguntou o prefeito timidamente.

– Bebês e criancinhas, é claro. Mandem-me um por cada pessoa que queira atravessar ou não deixarei ninguém passar.

Ninguém queria dar uma única criança para o ogro, mas havia um grande problema. Não dissemos que era um vilarejo remoto? Isso mesmo, aquela ponte era o único caminho para entrar ou sair da cidade. Assim, todo comércio foi cortado e nenhuma comida, medicamentos e aparelhos de alta tecnologia entrava na cidade.

Tentaram de tudo para se livrar do ogro. Os policiais sopraram bem alto os seus apitos e gritaram, mas o ogro não se importou. Até mesmo atiraram contra ele com suas espingardas, mas a camada de lama que o envolvia era tão dura que nenhuma bala conseguia feri-lo. Então, foram até os registros municipais para descobrirem como lidaram com tais situações no passado.

Quando o tatatatataravô do prefeito era o prefeito, um dragão havia se mudado para a vila e começado a devorar jovens donzelas. Foram pedir ajuda para a Bruxa (os registros não deixam claro qual bruxa era aquela). Ela fez uma poção do amor para o dragão. E os registros mais uma vez não informaram como fizeram para que o dragão tomasse a poção. O dragão começou a suspirar, soltando grandes anéis de fumaça para o alto, e passando as noites em claro. E você sabe como pessoas apaixonadas (e dragões) perdem o apetite? Eventualmente o dragão voou para longe tentando encontrar uma companheira dragão para ele.

Quando o tatatara tio-avô era do prefeito era o prefeito, havia um vampiro mordendo o pescoço de todo mundo. E isso era ruim, pois aqueles que não viraram vampiros acabavam cheios de marcas que coçavam mais que picada de pulga. Novamente, procuraram a Bruxa (que nos registros era chamada de Senhorita Bruxa desta vez) e ela voltou com várias receitas usando muito, muito, alho. Durante aquela semana, sediaram um festival gastronômico com aquelas receitas e o vampiro ficou tão enojado ao ver todo mundo com o sangue cheio de alho, que deixou a cidade.

Portanto, foram até a grande e sombria casa no fim da rua, aonde viviam as quatro bruxas e bateram na porta. Mônica atendeu com a vassoura saltitando ao lado:

– Sim, como posso ajudá-lo?

– Temos um problema.

– Oh, alguma sujeira?

– De certa forma, sim. Há um ogro debaixo da ponte. Ele é sujo.

– Mas ogros também são perigosos.

– Sim e precisamos de alguém para assustá-lo gargalhando, como bruxas fazem.

– Ah, entendo. Vocês precisam da minha irmã mais velha.

E foram levados até Sofia que gargalhava (HAHAHAHA) enquanto ouvia o pedido do prefeito. Ela se espreguiçou no sofá e disse, enquanto o gato fez o mesmo:

– Mas, ninguém fica assustado quando eu gargalho. Até as crianças gostam.

O prefeito balançou a cabeça. As bochechas rosadas e os olhos cor de caramelo de Sofia faziam-na parecer com uma mãe. Nenhum ogro fugiria dela.

– Talvez se você vestir um chapéu pontudo…

– Oh, boa ideia. Vamos conversar com Mina.

Mina cuidava do cabelo alegremente enquanto o prefeito explicava o problema.

– Sim, muito chato. Veja, o chapéu pode me fazer ter qualquer rosto e cheiro. Mamãe usava para fazer surgir uma grande verruga na ponta do nariz e cheirar como se usasse roupas velhas. Eu descobri que ele pode ser melhor que o meu cabeleireiro e me fazer cheirar como se usasse um Chanel número 5.

– Então, talvez você possa fazer uma poção com isto.

– Eu acho que não. Ele não cozinha. Mas minha irmã mais nova cozinha.

E foram falar com Tânia, que cruzou os braços e disse:

– Você acha que broinhas vão assusta-lo? – Ela disse e começou a passar as páginas do livro de receitas dela.

– Não, acho que vai deixá-lo com ainda mais fome. Acontece comigo. Você não tem uma poção com olhos de sapo, rabo de salamandra ou asas de morcego?

– Oh, não! Isso não é bom para fazer comida gostosa. Joguei tudo fora. Eu tenho pimenta, orégano, canela…

As quatro bruxas observavam o desanimado prefeito se afastando pela rua quando Mônica resmungou:

– O que ele quer dizer com “preciso de uma bruxa inteira”?

– E não apenas um pedacinho de bruxa?

– Como podem dizer isto de nossa família?

– Bom, mamãe era filha única, vovó também, a mãe dela também… já nós, somos quatro…

– Precisamos fazer algo…

– Mas é um ogro…

– Perigoso. Feio. Sujo.

– Eu tenho um plano…. HAHAHAHA… ouçam… Nós subimos na vassoura…

O ogro estava debaixo da ponte e uma vez que ninguém lhe havia dado uma criança sequer, estava muito faminto. Quando ouviu um miado, lambeu os beiços. Gatos eram quase como crianças. Quando saiu de baixo da ponte, viu o gato sumindo entre as árvores do bosque (era um gato encantado afinal de contas) e ouviu uma gargalhada:

– HAHAHAHA…

– Alguém atravessou a ponte! Eles vão ver só…

O ogro seguiu o som da gargalhada e sentiu o aroma da comida. Antes mesmo de pensar, o que não acontecia muito, já estava babando. Seu estomago colossal já rugia feito um dragão. Ele se aproximou e viu um caldeirão tão grande que havia uma escada apoiada nele. Era de lá que vinha o aroma tão bom. Ele subiu a escada e viu, flutuando no líquido borbulhante, o chapéu pontudo.

– Hah, a bruxa tola estava gargalhando tanto e tão alto que caiu aqui e virou sopa! Bem, é melhor do que não comer nada, vou apenas jogar fora esse chapéu para poder jantar finalmente. – Mas toda vez que parecia que ia alcançá-lo, o chapéu se afastava para o lado. Tanto que o Ogro foi se inclinado cada vez mais na beirada do caldeirão.

O tempo todo, as quatro meninas flutuavam por sobre a copa das árvores, montadas na vassoura de Mônica. Quando ela viu o Ogro se equilibrando na beirada do caldeirão, seus olhos brilharam como estrelas e ela gritou:

– Atacar!!!

As quatro meninas acertaram as costas do ogro com tanta velocidade que ele caiu no caldeirão com um berro. Com o impacto, o caldeirão saiu rolando. As bruxas pousaram e olharam ao redor: a água fervente havia limpado toda sujeira do ogro e no seu lugar havia um menininho gorduchinho e bochechudo.

– Que fofo!!!

E elas começaram a apertar as bochechas, da mesma maneira as meninas fazem com menininhos fofinhos, até que ele começou a chorar e chamar pela mãe. Elas pegaram o caldeirão (agora tão pequeno que cabia na palma da mão de Tânia), o chapéu (tão elegante e limpo quanto antes), o gato preto (que dormia calmamente em uma árvore), a vassoura (mal-humorada por ter carregado tanta gente de uma só vez) e o menino (que passou a ser mantido bem limpo para nunca mais voltar a ser um ogro) e voltaram para  casa.

Agora a cidade estava feliz: tinha sua bruxa de volta.

 

obs. Esse conto é apenas o primeiro capítulo da histórias das quatro bruxas e foi publicado em 2013, no Porcós, Pulgos e Fogo-apagous , parte do Livro de Graça na Praça.

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